A arte de morrer de amor

Série de posts relativos ao curso de Especialização em História Social da Arte
Disciplina: A Linguagem Musical na História - Professora: Cris Lemos - Ensaio realizado para conclusão de módulo. Aluna: Sheilla Liz Cecconello

Análise da música “Can vei la lauzeta mover” de Benart de Ventadorn




Can vei la lauzeta mover
Benart de Ventadorn

‘Quando vejo a cotovia bater suas asas
de alegria contra o raio de sol,
até que se deixa cair, esquecida de voar,
devido à doçura que lhe vai ao coração
ai, tão grande inveja me vem
daqueles que vejo cheios de alegria
que me assombro que meu coração
não derreta imediatamente de desejo
Ai, tanto cuidava eu saber do amor
e tão pouco sei
pois não posso me conter de amar
aquela de quem não terei favor.
Ela roubou de mim meu coração,
todo o meu ser, e todo o meu mundo.
e quando se retirou de mim,
não me deixou nada
além de desejo e um coração ansioso...’

As cantigas de amor cortês sugerem trágicos ou heróicos destinos, não raro encontram na morte seu fim. Morrer de amor pelo não consumado aponta para o sentimento como uma espécie de culto. A cantiga trovadoresca é resultado da celebração trágica, produto do impalpável e da fé extrema no desejo.
Em Can vei la lazeta mover de Bernart de Ventadorn observa-se a cotovia que inebriada pela felicidade do sol esquece-se de voar e cai. Representa a imagem do trovador que se deixa morrer e também o registro de sentimentos arrebatadores e incontroláveis. Podemos observar no mesmo espaço poético a felicidade intraduzível de liberar os sentimentos livremente e o sofrimento extremo de um desejo irrealizável. Os raios de sol são a amada e representam bem o papel da mulher nas cantigas de amor cortês. A valorização suprema do feminino e sujeição do poeta à dama em nome do amor é uma forte característica das cantigas trovadorescas. O trovador imaginava a dona como um suserano a quem serve numa atitude submissa de vassalo.
Ventadorn foi um dos trovadores mais famosos do sul da França medieval. Conhecido por sua música e poesia e pelos rumores com Leonor da Aquitânia, cuja corte foi o centro da tradição de música medieval francesa. Leonor, Duquesa da Aquitânia, era neta de Guilherme IX da Aquitânia, o Trovador , um dos primeiros trovadores e poetas vernaculares. Can vei la lauzeta mover, data de finais do século XII, portanto, serve como um exemplo da tradição secular da música no tempo de Ventadorn e Eleanor.
Can vei la lauzeta mover é uma melodia monofônica típica do séc. XII. A música transmite a incompatibilidade do amor do trovador e o seu estado permanente não correspondido, a sua fervorosa devoção à uma senhora nobre e a distância que a tradição e o dever impõe entre eles. Escrito na antiga língua provençal conhecida como langue d'oc, ou occitano, sobrevive em oito estrofes. Cada estrofe (exceto o versículo encurtado final) contém oito linhas de oito sílabas cada um. A simplicidade da estrutura da melodia não obstrui os sentimentos do texto como se poderia esperar, pois regularidade da estrutura acaba aumentando o desespero do último verso. Renunciando a esperança de ganhar o favor de seu amor o poeta retira-se a morte ou o exílio e termina seu lamento com a despedida aos seus amigos, vida, amor, e cantos.
Os trovadores cortesãos do século XII foram importantes figuras da cultura medieval. Poetas-cantores que levavam sua poesia em ambientes diversificados como praças públicas e as cortes principescas e aristocráticas. Proclamavam uma nova atitude estética e modelo de sensibilidade amorosa, era o chamado Amor Cortês. Esses poetas-cantores eram levados ao desespero e paixão desmedida diante da impossibilidade da união com a mulher amada. Foi um movimento inovador dos modos de sentir e suas formas de expressão e na própria imaginação do homem ocidental concernente à temática amorosa. Difundiu-se rapidamente a partir dos trovadores do sul da França e proclamou a invenção do amor romântico no Ocidente.
Existia uma diversidade trovadoresca neste período, podemos citar: eddas noruegueses (especializados em versos mitológicos), poetas-cantores dedicados a poesia sagrada (enaltecimento da Virgem Maria), goliardos (enalteciam a vida mundana e sátiras da sociedade) e os trovadores cortesãos que especializaram-se nas cantigas de amor quando passaram a frequentar os palácios medievais a partir do século XII. Apesar de terem aspectos diferentes entre si, os vários tipos de trovadores tinham características comuns como a itinerância e a oralidade de sua produção.
Historicamente é possível analisar mais especificamente os trovadores cortesãos dos séculos XI e XIV, pois estes deixaram muitos registros na forma de cantigas anotadas em grandes códices de manuscritos palacianos. Houve cinco principais regiões de atuação do trovadorismo:
-A França - Considerada o berço do amor cortês, estava dividida culturalmente em norte e sul. No sul occitânico o subconjunto ‘provençal’ dos troubadours, da langue d'oc e da civilização cátara. No norte, os ‘trouvères’, cantando na langue d'oil as primeiras canções de gesta;
- No vale do Pó- O movimento dos trovadores italianos foi mais tardio e deu origem ao chamado dolce stil nuovo;
-Na Alemanha- Observamos a Minnesang;
-Península ibérica- Encontramos o subconjunto dos ‘trovadores galego-portugueses’ unificados por uma língua poética comum.
A essência da tradição europeia medieval de amor cortês serviu de inspiração por séculos para a poesia francesa e a música. Considerada a primeira manifestação lírica com foco no amor romântico. Sentimento esse que será fonte inesgotável de inspiração e mistério que se estende até os dias atuais.

Referências Bibliográficas:

MORRER DE AMOR: O ÊXTASE DO AMOR CORTÊS EM DUAS CANTIGAS DA LÍRICA TROVADORESCA- Cláudia Valéria de Oliveira Pinto (UERJ)- http://www.filologia.org.br/pub_outras/sliit02/sliit02_93-98.html
OS TROVADORES MEDIEVAIS E O AMOR CORTÊS – REFLEXÕES HISTORIOGRÁFICAS -José D’Assunção Barros http://www.miniweb.com.br/historia/artigos/i_media/pdf/barros.pdf
AMOR CORTÊS: UMA INVENÇÃO DOS TROVADORES PARA CANTAR A MULHER.- Nadiá Paulo Ferreira- http://www.fundamentalpsychopathology.org/material/congresso2010/mesas_redondas/MR104-Nadia-Paulo-Ferreira.pdf

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